De Brasília a Curitiba

Lotado, não, apertado, apertadíssimo. Penúltima cadeira da última fileira do avião. Do lado direito uma senhora cheia de sacolas. Do lado esquerdo um senhor cheio de barriga. E lá estava eu sem poder mexer os braços outra vez. A senhora da direita não para de se mexer. O senhor da esquerda não para de fungar como se tivesse algo entalado no nariz. Pior foi quando ele começou a fazer aquele barulhinho irritante da língua nos dentes, querendo tirar o resto do almoço ou do jantar que ficou preso em algum canto. À minha frente, um bebezinho começa a chorar. O vôo está atrasado uns 30 minutos e nem todos os passageiros estão acomodados ainda. Lembro de tentar pegar um livro da bolsa. Não dá. A bolsa está presa com outras bagagens em cima. A senhora da direita aquieta. Puxa um livro de uma das sacolas. Invejo. O senhor da esquerda continua fungando e fazendo o barulho da língua nos dentes ou vice-versa. Passam-se  alguns minutos que parecem uma eternidade. Se eu puxar conversa com este senhor, talvez ele pare de fazer o barulho- penso. Mas aí vou incomodar a senhora da direita. E quem se preocupa com o meu incômodo? Pondero. Viro pro lado e tento ler o livro dela. Duke e Paul estão conversando. Tem alguma coisa que custa 20 dólares... Que raio de livro é esse? Tem a capa azul... Um dos dois diz : Fica frio, cara.... Ela vira a capa do livro e consigo ver o título: O Guardião de Memórias. Que interessante. Por uns instantes mágicos eu esqueço que aquele senhor está ao meu lado fungando e fazendo aquele ba-ru-lho. Um outro barulho familiar é ouvido, acompanhado da frase mecânica: - "Tripulação preparar para a decolagem". O comissário informa que a viagem é de aproximadamente uma hora e trinta e cinco minutos. Tenho vontade de me jogar pela janela e nem estou perto de uma. Tento calcular mentalmente essa eternidade em segundos. Cinco mil e setessentos, talvez...Mais pra 8 mil e alguma coisa. A cabeça começa a doer.  O senhor da esquerda começa a tossir. Minha irritação se transforma em dó. Um acesso de compaixão tão profundo que eu tenho vontade de chorar. A criança da frente chora baixinho. E de repente os barulhos ficam distantes, distantes... Acordo em Curitiba, com o aviso da comissária para não esquecer pertences a bordo.
1 Response
  1. Anônimo Says:
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