O modelo da foto acima (tirada no parque das Aves) me faz lembrar de um outro bicudo que conheci anos atrás no Centro de Animais Silvestres em Santarém. Lá fui apresentada a criaturas ilustres,
raras, em perigo de extinção, ou em momento de descoberta, e que me renderam boas
gargalhadas e reportagens interessantes. A memória mais extraordinária, no
entanto, me vem de um papagaio ordinário, de comportamento estranho. Numa das
imensas gaiolas do centro, ele era só mais um, camuflado no meio de outras
dezenas de bicudos da mesma espécie; traiçoeiro que nem ele só. Tratadores e
biólogo bem que tentaram me prevenir quanto ao caráter enganoso do empenado.
Eu, entre incredulidade e senso de preservação própria, decidi esperar antes de
arriscar. A gaiola se abre, entra o biólogo e nada acontece. Entra um dos
tratadores e tudo é uma calma só. Entra o repórter cinematográfico e os anfitrões
nem barulho fazem. Imagino um texto
rápido e uma passagem cheia de atitude dentro daquela gaiola. Não resisto a
tentação e aí, chega a hora da estrela. Mal ponho um pé na gaiola e o Zé
carioca do avesso é todo garras e bico no meu couro cabeludo. O cinegrafista em
vez de ajudar, continua filmando, filmando, sem noção do terror que
literalmente se afinca na minha cabeça. O indivíduo ainda se arrisca a me
sugerir que a matéria ia ficar show se a passagem fosse feita com o papagaio
ali mesmo. É nessas horas que a gente
conhece os amigos. O biólogo, mais humano, faz algumas tentativas de desatracar
o bicho que insiste em perfurar o meu
crânio. O tratador me olha com cara de “eu bem que avisei.” Depois de momentos
que me pareceram eternos, o bicho finalmente desiste de me assassinar em público e
vai parar no braço do biólogo. Calminho, calminho, nem parecia o espetáculo de
horrores de segundos atrás. O tratador não resiste: “Falei que o bicho num gostava de mulher.”
No canto
dos flamingos tem espelhos por toda a parte. Esta foi a forma encontrada pelos
biólogos para iludir as aves. Não é que os bichos adorem ver a própria imagem
refletida, é que eles se sentem mais protegidos vendo outros indivíduos por perto. Acostumados
a andar em bandos de milhares na natureza, os flamingos entrariam em pânico se percebessem
que o grupo se reduz a pouco mais de uma dúzia. Em posições estratégicas, os
espelhos multiplicam as imagens, produzindo a ilusão ótica necessária.
Do lado verde e amarelo, um espetáculo multicolorido chama a atenção. Quem vem às Cataratas vem também ao Parque das aves, que não é só parque, nem é só de aves. Tem jacaré, tem jabuti, tem cobra, tem até aranha caranguejeira querendo dar boas vindas aos visitantes. Uma, de tão animada, literalmente se jogou nos braços da turista francesa que passava ao lado. Pelo tom de voz da francesa, penso que a caranguejeira foi mal interpretada. Verdade é, no entanto, que as aves são esmagadora maioria. Tucanos, flamingos, emas e muitos outros de aparência e de nome exóticos, figuram entre os mais populares. Entre os mais populosos estão os papagaios e as araras. Os primos lideram a festa em número e decibéis. São os maiores barraqueiros do pedaço. Parecem estar sempre na feira vendendo, brigando, chamando a atenção. No meio do caos, um papagaiozinho bem brasileiro ganha notoriedade pelo inusitado comportamento. Calmo e dócil, ele se deixa afagar à vontade. Num instante e já tem fila de turista querendo tocar o bichinho. Parece treinado. Provavelmente foi. A maior parte deles foi resgatada do tráfico ilegal de animais silvestres. Muitos chegam em estado precário devido aos maus tratos. No parque, se não recuperam a liberdade, pelo menos recuperam a saúde e vivem em gaiolas bem maiores.
O papagaio mais estrela do parque
vista do lado brasileiro
As
Cataratas dos Iguaçu formam o segundo maior complexo de cachoeiras do mundo. Só
perdem pra Vitória Falls, na África. Foram eleitas uma das 7 maravilhas da
natureza em 2011. Nem precisava. O que é encanto não requer título. Beleza e força estão unidas nesta
majestosa criação divina. Não sei porque cargas d’água o ponto mais
arrebatadoramente mágico foram chamar de “Garganta do diabo”. Só pode ser coisa
de argentino. Argentinas são também as Três Virgens, que podem ser melhor
observadas do lado brasileiro. Aliás, argentina é a maior parte do platô banhado
por toneladas de água caindo, caindo, em
ritmo hipnotizante. Dói na alma, mas preciso admitir: O lado argentino é muito mais
bonito. Tudo bem, o brasileiro continua sendo o mais simpático e oferece
ângulos perfeitos pra fotografar. Fauna e flora são coadjuvantes do magnífico espetáculo
coroado de arco-íris. Jacarés (ou caimãs, como são chamados os jacarezinhos
argentinos de nariz curto) tomam banho de sol, a poucos metros das maiores
quedas. E eu me pergunto se são corajosos ou suicidas. Pássaros multi-coloridos dividem o espaço com
os menos atraentes urubus (de nacionalidade argentina, sugiro J). Há também um exército de quatis viciados em
comida de turista (Argentinos! Argentinos!). Tem placa por todo canto alertando que é proibido alimentar
os animais. Os turistas obedecem, mas os animais... Chegam sem cerimônia, ficam
sem ser convidados, assaltam bolsas e
lancheiras dos menos apercebidos e não se incomodam com os flashes da fama. Uns
matreiros sem-vergonha. Por pouco não me levam a merenda. Só não roubam a cena
das borboletas. Brancas, azuis, amarelas e pretas, como no poema da Cecília
Meireles, elas coroam as Cataratas num contraste harmonioso de força e
fragilidade.
vista do lado argentino
"Os céus proclamam a glória de Deus,
e o firmamento anuncia as obras das Suas mãos.
Um dia discursa a outro dia,
e uma noite revela conhecimento a outra noite.
Não há linguagem, nem há palavras,
e deles não se ouve nenhum som;
no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz,
e as suas palavras até aos confins do mundo."
Salmos 19: 1-4
Foto: Ken Rathbun. Vista do lado brasileiro das Cataratas do Iguaçu.
Jamaicanos adoram futebol brasileiro. A-do-ram. Quando digo que sou brasileira por essas bandas, eles desandam a falar e a perguntar (terror) sobre tudo e sobre todos envolvidos com bola no Brasil. Daí, quando digo que Futebol não é matéria realmente dominada por mim, eles me olham com cara de quem tá vendo um herege na frente.Se tento falar, passo vergonha. Então prefiro a técnica jornalística: em vez de responder, pergunto. E é com meus amigos jamaicanos que estou aprendendo um pouco mais sobre a religião Futebol no Brasil. Pelé e Sócrates, que não jogam há decadas, ainda são mundialmente conhecidos e reconhecidos. Soube dia desses que Sócrates se foi. O amigo Jamaicano que me deu a notícia tava com cara de quem tinha perdido um amigo. Descubro também que Ronaldinho só é considerado fenômeno de gordura e de preguiça, e que Kaká já foi o melhor jogador do mundo, mas que hoje o rei da bola é um argentino. Argentino? Pergunto entre incredulidade e estupefação. Deixo passar... Mais uns dias e retomamos a conversa. E lá me vem um pra me dizer que futebol brasileiro é isso e é aquilo, mas que não tá mais no topo. Os bonzões da bola do momento, diz ele com ar de entendido, são os argentinos. Desconversei pra não ficar irritada com o aprendiz de locutor esportivo. Posso não entender de bola, mas entendo de torcida. Perder o título de melhor do mundo, vá lá, que ninguém consegue ter tudo o tempo todo. Agora ser rebaixado pelos vizinhos hermanos...não há sangue brasileiro que não ferva.
Gosto da simplicidade de Maria, da devoção de Madalena, , da disposição de Marta, das demonstrações de amor da outra Maria (a irmã de Marta). Gosto de Priscila, de Lídia, de Dorcas. Mulheres empreendedoras! Gosto da mulher cananéia de Mateus 15. Que fé! Que determinação! Gosto de Abigail, de Joquebede, de Lia (nunca simpatizei muito com a irmã caçula, a Raquel). Gosto de Ester, de Débora, de Miriam. Gosto de Acsa, a audaciosa filha de Calebe . Gosto de Mical, ainda que não totalmente. Tenho inveja da mulher de Provérbios 31. Sinto pena de Tamar, a filha de Davi. Tenho ojeriza a Atalia e a Jezabel, as rainhas loucas. E gosto de Rute, a minha heroína bíblica favorita no momento.
Pelo menos 17% da população fala galês fluente. Outra herança dos celtas.
Sinais de trânsito e placas são em inglês e em galês.
Língua
estrangeira pra mim é um barato. Tento, invento, falo e assassino o idioma
alheio sem dó. Mas o idioma galês é bicho difícil de domar. Desisti só de ver as placas. O idioma tem o
que chamo de vocabulário exteeeeeeeeeenso, cheio de palavras que dobram a esquina do pensamento. Um
exemplo é Llanfairpwllgwyngyllgogerychwyrndrobwllllantysiliogogogoch, pitoresca
cidade galesa, bem menos comprida que o nome. Imagine escrever um cartão postal de lá: “Querido
(a) ..., escrevo de Llanfeirghandiejdmak Llanfawllisbhyendksgoger deixa pra lá… de algum lugar no País de
Gales” Se é difícil escrever, experimenta falar.
O País de
Gales tem história e até pré-história. Nas veias e na cultura de seu povo corre
um mixto de celtas, romanos, anglo-saxões... Celtas
já estavam por lá, afirmam os sites de história e a wikipédia, desde 1200 a.C.
Foram eles que começaram a trabalhar com ferro por aquelas bandas. E de ferro ou de outros metais mais nobres,
fabricavam todos aqueles acessórios de
formas, como dizer, celtas, que são moda até hoje. Aliás, os celtas tinham uma queda por
assuntos de moda. Corre o boato histórico de que foram eles os criadores das
calças compridas, um sucesso para a comunidade fashion masculina da época
(depois mulher é que gosta de inventar moda). Então, vieram os Romanos conquistando e
construindo desde o raiar da era pós-Cristo. Fortalezas imperiais datam do
primeiro século D.C. Quatro séculos mais tarde o grande
império de Césares iniciava sua viagem só de ida rumo à bancarrota e a base
romana em Gales teve que voltar pra casa. Os celtas-galeses ficaram à mercê de
ataques pictos e escotos (com esses nomes só podiam ser gente do mal). Os
galeses pediram ajuda aos anglo-saxões, lobos em pele de ovelha que em vez de
salvar, decidiram ficar por lá mesmo após de se auto-declararem os novos donos
do pedaço. Mas a dominação britânica não apagou os fortes traços culturais, folclóricos e linguísticos que contrastam e diferenciam galeses dos primos escoceses e ingleses.
Para não
transformar este espaço em conversa de um assunto só, passemos a outro
território do Reino Unido...