Meu primeiro natal com neve


 Os primeiros flocos  caíram  sobre minha cabeça em forma de tempestade.  Neve pesada e molhada, com flocos bem definidos. Era possível ver o formato de cada um antes de virarem água outra vez.  O clima não era  frio o suficiente pra  manter os flocos congelados e unidos. Mais uns dias e, enfim, neve como nos desenhos animados. Uma brancura cobrindo  todas as imperfeições da paisagem. Tapete espesso  e imaculado.  Parece glacê de bolo de casamento. Não foi à toa que Davi comparou neve com pureza. Nem Omo pra produzir um branco tão branco.  E a criançada adora ir lá fora e fazer boneco de neve, anjo de neve, bola de neve pra jogar nos outros, e por aí vai. Uma delícia se você decide só olhar, do lado de dentro da janela, com aquecedor ligado. Se não resistir à tentação de fazer o mesmo terá, como eu, 2 minutos de diversão e 10 de congelado arrependimento. Frio é como lâmina atravessando  todas as barreiras  que a gente veste até  tocar os ossos e os sinos do cérebro.  Uma dor doída que se recusa a passar. E quando passa  é sinal de que os nervos congelaram  e o corpo adormeceu. E olhando aquela turma lá fora horas a fio me convenço de que nervos e sensos se desenvolvem com a idade.  Lembro de ter escrito algo parecido tempos atrás e, como preguiça me previne de fazer um texto novo, segue o velho outra vez.




Sindrome de Insensibilidade Climática

No meu tempo de Brasil, cheguei a conclusão de que moleque não sente calor. A turma perto de casa passava o dia naquele sol de escaldar e de fritar empinando papagaio, jogando futebol nos campinhos de terreno baldio  e correndo atrás de confusão. Um bando de curumins imunes ao sol. Do outro lado das Américas penso que a molecada também sofre de insensibilidade climática, invertida.  O termômetro marca 10 abaixo de zero, a gente mal consegue atravessar os três metros que vão do estacionamento à porta de casa  e a turminha tá lá, há duas horas no quintal escorregando em tampa de lixeira, fazendo  bonecos, movimentando braços e pernas na neve pra fazer anjinho, fazendo guerra e correndo atrás de confusão. Tenho a impressão de que a síndrome se cura em algum ponto entre a adolescência tardia e a fase adulta. Mas alguns poucos não se curam.
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